[:pb]Não há violação de direitos autorais se uma obra apresenta a mesma ideia ou um tema determinado em outra. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar recurso do autor de telenovelas Lauro César Muniz contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que reconheceu uma de suas obras como plágio.
No caso em questão, a escritora de livros infanto-juvenis Eliane Ganem alega que o roteiro da minissérie televisiva Aquarela do Brasil fora, na verdade, baseado em um argumento original escrito por ela e entregue anos antes em diversas redes de televisão brasileiras.
A minissérie foi exibida pela TV Globo em 2000 e, ambientada no Rio de Janeiro dos anos 40, contava a história de uma jovem humilde que depois de participar de um concurso virou estrela do rádio. O argumento de Ganem, também chamado de Aquarela do Brasil, por sua vez, foi registrado na Biblioteca Nacional em 1996 e contava a história de uma jovem atriz em ascensão.
Enquanto a defesa da escritora ressaltou a simetria entre personagens e situações, como os triângulos amorosos da trama, a defesa de Muniz alegou que a ideia original, de uma moça pobre que vira estrela, é na verdade banal e carece de ineditismo. Laudo pericial, por sua vez, considerou as duas histórias igualmente inéditas e não percebeu semelhanças suficientes para configurar qualquer lesão a direitos autorais. Segundo o laudo, os autores criaram obras únicas, partindo de um período comum.
Coexistência possível
Para o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, não é possível deter direito sobre temas: “É pacífico que o direito autoral protege apenas uma obra, caracterizada a sua exteriorização sob determinada forma, não a ideia em si nem um tema determinado. Sendo assim, é plenamente possível a coexistência, a meu juízo, sem violação de direitos autorais, de obras semelhantes.” Obras distintas podem partir de situações idênticas e se individualizar de acordo com a ótica e estética de cada autor.
Em seu voto, o ministro citou grandes doutrinadores da matéria, como Hermano Duval, para quem a ideia e a forma de expressão são coisas independentes. Se duas obras, sob formas de expressão diversas, contêm a mesma ideia, nenhuma das duas pode ser considerada plágio. E não somente porque a forma de expressão é diversa, mas porque a ideia é comum, pertencendo a todos. “Não pertence exclusivamente aos autores das obras em conflito, pertence a um patrimônio comum da humanidade”, diz Hermano Duval.
O doutrinador Rodrigo Moraes também foi citado: “O direito autoral nasceu para estimular a criação, não para engessá-la. Obras semelhantes podem perfeitamente coexistir de forma harmônica, sem evidência de plágio. É preciso estar atento àqueles que em tudo e em todos veem a caracterização de plágio. O exagero existente na ‘plagiofobia’ merece rechaço. Trata-se de corrente que fomenta o totalitarismo cultural.”
Temas semelhantes
O acórdão do TJRJ aponta que a semelhança entre as duas histórias está na temática – em ambas, uma moça humilde ganha concurso e ascende ao estrelato, se envolvendo em triângulo amoroso e tendo como pano de fundo o ambiente artístico da década de 40. “Não configura plágio, portanto, a utilização de ideias sobre determinado tema, por mais incrível que seja”, afirmou o ministro Salomão. Para ele, não há usurpação de ideia, já que ideias não são passíveis de proteção.
O fato de as duas histórias terem o mesmo nome também foi levantado, mas a possibilidade de plágio foi igualmente descartada em vista da ausência de originalidade do título, já que Aquarela do Brasil é o nome de uma das canções mais conhecidas da música popular brasileira.
Inicialmente, o ministro Salomão havia negado seguimento ao recurso de Lauro César Muniz por falta de comprovação do recolhimento das custas judiciais e do porte de remessa e retorno – decisão confirmada pela Quarta Turma. Depois, com base em precedente da Corte Especial, a Turma voltou atrás e admitiu o recurso para julgamento do mérito.
Com a decisão, o STJ anulou o acórdão do TJRJ e restabeleceu a sentença da juíza de primeira instância, que não reconheceu o plágio e afastou a violação dos direitos autorais.[:]