[:pb]Os 194 Estados-membros da Organização Mundial da Saúde aprovaram nesta terça-feira, no segundo e último dia da assembleia geral anual da organização, uma resolução que a apoia a possibilidade da quebra de patentes de futuras vacinas ou tratamentos para a Covid-19, aspecto considerado essencial para o acesso global igualitário a futuros tratamentos. Apesar de não bloquearem a medida, os Estados Unidos, que na noite de segunda ameaçaram sair da OMS, emitiram um comunicado à parte rejeitando os trechos que dizem respeito à propriedade intelectual.
A resolução, de sete páginas, também pede que seja feita, no “momento apropriado”, uma “avaliação imparcial, independente e abrangente” da resposta internacional à pandemia, incluindo uma revisão da eficácia dos mecanismos de coordenação atualmente à diposição da OMS. As resoluções da assembleia geral da organização não são legalmente vinculantes, mas expressam a vontade política de seus países-membros.
O texto pede o acesso “universal, rápido e equitativo” e a “distribuição justa” de todos os produtos e tecnologias médicas necessárias para o combate à Covid-19. Para apoiar a possibilidade da quebra de patentes de vacinas ou tratamentos, a resolução cita a Declaração de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), de 2001, que abre caminho para que países pobres e em desenvolvimento façam o chamado licenciamento compulsório de vacinas e remédios em emergências de saúde. A Declaração de Doha sobre exceções ao direito de propriedade intelectual já foi usada no contexto do combate ao HIV, incluindo no Brasil.
Segundo comunicado da delegação americana em Genebra, sede da OMS, a referência à possibilidade de quebra de patentes fez com que os EUA “se afastassem” desta parte do texto, que enviaria “a mensagem errada para inovadores que serão essenciais na busca por soluções que o mundo inteiro busca”. Ao lado de outras nações com indústrias farmacêuticas fortes, como o Japão e a Suíça, os americanos defendiam que o documento enfatizasse o papel da propriedade intelectual na inovação científica. O acesso a vacina ou medicamentos, segundo eles, poderia ocorrer por meio de mecanismos voluntários, como parcerias e doações.
No entanto, muitos governos pobres e em desenvolvimento temem que isto seja insuficiente para garantir seu acesso a futuros — e provavelmente caros — tratamentos ou vacinas. A China e a França, por sua vez, posicionaram-se na segunda-feira ao lado das nações emergentes, afirmando que qualquer vacina que venha a ser descoberta deve ser tratada “como um bem público, isto é, para iso da coletividade.
Os americanos também rejeitaram o trecho que se compromete com o respeito a seviços de atendam à “saúde sexual e reprodutiva”, em especial nos países mais pobres. Segundo os diplomatas americanos, o governo de Donald Trump “acredita em proteções legais” para aqueles que ainda não nasceram e não poderia aceitar a ideia de um “direito internacional ao aborto”.
De acordo com diplomatas ouvidos pela Reuters, Washington decidiu não bloquear a resolução, apesar das ressalvas evidentes. À agência, um deles disse que havia um forte desejo americano para que se chegasse a um consenso durante a assembleia e que ficar de fora da resolução significaria um isolamento.
A resolução, que também defende uma revisão da resposta global à pandemia, foi aprovada menos de 24 horas após Trump ameaçar abandonar a OMS em 30 dias caso ela “não se comprometa com melhorias significativas”. A organização, por sua vez, não quis comentar em maiores detalhes o posicionamento do presidente americano.
Sem mostrar provas, o presidente americano vem afirmando que a OMS trabalha em consonância com o governo chinês para esconder a verdade sobre a pandemia. Também sem apresentar evidências, Trump e seus aliados alegam que a China, com o apoio da OMS, não só acobertou informações sobre o vírus, mas teria o fabricado em laboratórios, demandando investigações. Tanto Pequim quanto a organização negam as acusações.
Fortalecimento chinês
Com uma retórica mais amena que a do líder americano, outros países como a Alemanha, a Suíça e o Reino Unido também passaram a demandar maior transparência do governo chinês frente à pandemia. Pequim vinha se posicionando contrariamente a uma investigação sobre a resposta global à Covid-19, mas cedeu frente à pressão internacional. Os chineses anunciaram ainda uma oferta de US$ 2 bilhões aos esforços de combate à Covid-19.
Comentando a resolução, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que a entidade “quer, mais que qualquer um, uma prestação de contas” sobre a pandemia, “que ameaça romper a fábrica da cooperação internacional”. O texto pede para que Adhanon comece a avaliação “imparcial, independente e compreensiva” o mais cedo possível.
Desde antes de se tornar presidente, em janeiro de 2017, Trump tem feito muitas ameaças de abandonar organizações e tratados internacionais, levando algumas à frente e recuando em outras. Ainda assim, muitos diplomatas disseram ter se surpreendido com o posicionamento do líder americano frente à OMS, conforme a China aumenta sua influência:
— Foi muito marcante ver Xi Jinping se aproveitar da oportunidade para se abrir, com grande [cooperação], e fazer uma oferta de US$ 2 bilhões e dizer que, se houver uma vacina, a compartilhará com todos — disse um representante europeu. — É exatamente o que nós temíamos: o espaço liberado pelos EUA será ocupado pela China.
Fonte: O Globo[:]